quarta-feira, 5 de outubro de 2016

O pequeno grão de areia

Multidão, pés calçados sob a areia no chão, ao seu lado uma vida escorraçada, envolvida em confusão, esse foi o palco da conversa, que até hoje nos chama a atenção. Ali então Ele abaixou, com um dos joelhos se apoiou e com grãos dialogou.








Os assuntos eram dos mais variados, falavam sobre as cores, universos de sabores, política e religião, situações de conflitos e também de comunhão, dos aspectos da fotossíntese, os ingredientes minerais, a variedade de animais e vegetais. Alguns assuntos, difíceis de entender, coisas simples e tão complexas, como alguém um dia poderia compreender?

Falaram sobre as arvores, suas folhas e frutos e de como se criar raízes. O ar, os ventos, a liberdade dos pássaros e a beleza de se poder voar. A conversa parecia bem, uma das partes foi muito além, coisas grandes e ocultas, o porvir, o futuro.

- Um pássaro de ferro? Indagou um pequeno grãozinho.

- Como poderia?

Assombro! Não podia acreditar.

Falaram também dos oceanos, dos grandes mares e de como são profundos. A beleza dos rios a diversidade de peixes, a diversidade das espécies, as baleias, as grandes feras, e sobre os lambaris, os pequeninos lambaris.

Aquela prosa foi bem longa, feita de pequenos instantes, mas intensas para os que se desafiaram a ouvir.

Falaram sobre o globo, afinal, todos aqueles grãos eram eternos viajantes, conheciam um pouco de tudo, passavam muito rapidamente pelos lugares, mas lhes faltavam profundidade, conheciam tudo, mas nada sabiam sobre o que conheciam, talvez por isso, construir firmes e fortes raízes, estava fora de cogitação, eram conduzidos pelo vento, tanto era o vento que só aguardavam o evento que partiriam o coração.

Pobres grãos de areia! E por esta razão, aproveitaram o momento, de profundidade e envolvimento e continuaram com a questão. Falaram então sobre o céu, ou melhor, o que havia lá. Sistema solar, lua, estrelas, poxa vida era tudo muito grande, só que de longe, bem de longe, perecia mesmo um punhado de grãos, como os que ali haviam sido soprados pelos ventos ao chão.

Lá pelas tantas, em determinado estagio da conversa um grãozinho expos uma reclamação. Dizia ele que não via motivo para existir, considerando que o vento os jogava de lá para cá, sempre viajando, sem rumo, sem motivo, sem destino, sem lugar, sem onde morar.

Desejava muito ser uma pedra, assim então, não ficaria sem rumo, sem 
destino, sem saber para onde iria, sendo pedra seria forte, pesada e dura, e não um pequeno e frágil grão, e talvez até enfrentasse aquelas grandes criaturas.

Mal sabia aquele grão, que um dia fez ele, parte da criação, ingrediente principal, da mais bela obra, vivente e racional, imagem e semelhança, coroa da criação, obra de das próprias mãos, que ali escorria sobre os grãos.

Ainda ali, com o joelho dobrado, fez saber aquele grão, o quanto era especial, com a voz carregada de amor, revelou a sua paz e o pequenino se alegrou, intensamente se alegrou e logo em seguida, o silencio transbordou.

Conversa então interrompida, Ele estende o rosto para cima, e se levanta e direciona a atenção a multidão que ali estava. Não dava para ouvir direito o que falavam. Gritaria, muita ira, pareciam enfurecidos pelo ocorrido com aquela vida que ali foi levada, ao ser denunciada, por cometer algo que a Ele seria cobrado. Muito desgosto, um sentimento oposto ao que o grão tinha sentido há pouco.

Alguns minutos se passaram e Ele se volta novamente ao chão e com o dedo novas histórias passou a contar, colocando cada um em seu lugar, revelando os defeitos, cada causa e seus efeitos e como tudo havia feito, cada coisa em seu lugar.

E em meio a tudo isso, ainda assim aquele grãozinho, insistia naquela ideia desde o início, de ser pedra e não mais pó. Queria ter seu lugar no mundo, encontrar sentido a cada segundo, enxergar em si mesmo algo maior, mesmo que o seu criador fosse alguém de mais valor, e que pudesse dar amor, à pedra, à rocha e também ao grão.

Assim como aquela vida, prestes a ser sacrificada, com pedras sobre ela a ser lançadas, outros grãos não se conformavam, com a tolice insaciável, daquele pequeno grão falho e ingrato, ao qual a pouco havia sido revelado, sua natureza e valor incalculável e diante disso nada mais deveria ser desejável.
Mas ainda ali, escrevendo no chão, com o dedo posto sob a terra, diante de uma multidão de homens, armados com ódio, ira e pedras, ele declarou:

“Quem não tem pecados, atire a primeira pedra”

Pedras lançadas ao chão, passos em outra direção, aquela vida acusada, havia sido poupada. Momento de reflexão para aquele pequeno grão. Agora dera ouvidos a todo conteúdo da conversa que haviam tido. Um passo para traz, e disse ele:

-Pedra! Não quero ser mais!

Tanto ao pequeno grão e a vida que havia sido poupada, Ele pergunta, após ninguém ter aceitado arremessar aquelas pedras, onde estavam os acusadores que os fariam ser castigados com pedras manchadas pelos mesmos erros e confusões em que haviam se envolvidos. Mas não haviam mais ali acusadores. E Ele encerra o assunto da breve e intensa conversa que parecia não ter fim:

“Nem Eu te condeno; vá e não peques mais”


E aquele pequeno grão, passou a entender, que um dia já havia sido pedra, e que como pedra, só tinha duas opções, ficar parado, sem rumo, sem destino e sem sentido, ou ser arremessado, como objeto de ataque à acusação. E tendo aquilo entendido, percebeu que como grão, poderia ir em liberdade, sem motivo e sem razão, em vez de ser objeto de culpa, morte e decepção. E que enquanto homens maus tinham em suas mãos, pedras como punição, Ele as despedaçou, em grãos a pedra transformou e trouxe ali libertação.




Texto: Adriano Liberto
Revisão: Deivid Liberto

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