Multidão, pés calçados sob a areia no chão, ao seu lado uma
vida escorraçada, envolvida em confusão, esse foi o palco da conversa, que até hoje nos
chama a atenção. Ali então Ele abaixou, com um dos joelhos se apoiou e com grãos
dialogou.
Os assuntos eram dos mais variados, falavam sobre as cores, universos de sabores, política e religião, situações de conflitos e também de comunhão, dos aspectos da fotossíntese, os ingredientes minerais, a variedade de animais e vegetais. Alguns assuntos, difíceis de entender, coisas simples e tão complexas, como alguém um dia poderia compreender?
Falaram sobre as arvores, suas folhas e frutos e de como se
criar raízes. O ar, os ventos, a liberdade dos pássaros e a beleza de se poder
voar. A conversa parecia bem, uma das partes foi muito além, coisas grandes e
ocultas, o porvir, o futuro.
- Um pássaro de ferro? Indagou um pequeno grãozinho.
- Como poderia?
Assombro! Não podia acreditar.
Falaram também dos oceanos, dos grandes mares e de como são
profundos. A beleza dos rios a diversidade de peixes, a diversidade das
espécies, as baleias, as grandes feras, e sobre os lambaris, os pequeninos lambaris.
Aquela prosa foi bem longa, feita de pequenos instantes,
mas intensas para os que se desafiaram a ouvir.
Falaram sobre o globo, afinal, todos aqueles grãos eram
eternos viajantes, conheciam um pouco de tudo, passavam muito rapidamente pelos
lugares, mas lhes faltavam profundidade, conheciam tudo, mas nada sabiam sobre
o que conheciam, talvez por isso, construir firmes e fortes raízes, estava fora
de cogitação, eram conduzidos pelo vento, tanto era o vento que só aguardavam o
evento que partiriam o coração.
Pobres grãos de areia! E por esta razão, aproveitaram o
momento, de profundidade e envolvimento e continuaram com a questão. Falaram então
sobre o céu, ou melhor, o que havia lá. Sistema solar, lua, estrelas, poxa vida
era tudo muito grande, só que de longe, bem de longe, perecia mesmo um punhado de
grãos, como os que ali haviam sido soprados pelos ventos ao chão.
Lá pelas tantas, em determinado estagio da conversa um
grãozinho expos uma reclamação. Dizia ele que não via motivo para existir, considerando
que o vento os jogava de lá para cá, sempre viajando, sem rumo, sem motivo, sem
destino, sem lugar, sem onde morar.
Desejava muito ser uma pedra, assim então, não ficaria sem
rumo, sem
destino, sem saber para onde iria, sendo pedra seria forte, pesada e
dura, e não um pequeno e frágil grão, e talvez até enfrentasse aquelas grandes
criaturas.
Mal sabia aquele grão, que um dia fez ele, parte da
criação, ingrediente principal, da mais bela obra, vivente e racional, imagem e
semelhança, coroa da criação, obra de das próprias mãos, que ali escorria sobre
os grãos.
Ainda ali, com o joelho dobrado, fez saber aquele grão, o
quanto era especial, com a voz carregada de amor, revelou a sua paz e o pequenino
se alegrou, intensamente se alegrou e logo em seguida, o silencio transbordou.
Conversa então interrompida, Ele estende o rosto para cima,
e se levanta e direciona a atenção a multidão que ali estava. Não dava para ouvir
direito o que falavam. Gritaria, muita ira, pareciam enfurecidos pelo ocorrido
com aquela vida que ali foi levada, ao ser denunciada, por cometer algo que a
Ele seria cobrado. Muito desgosto, um sentimento oposto ao que o grão tinha
sentido há pouco.
Alguns minutos se passaram e Ele se volta novamente ao chão
e com o dedo novas histórias passou a contar, colocando cada um em seu lugar,
revelando os defeitos, cada causa e seus efeitos e como tudo havia feito, cada
coisa em seu lugar.
E em meio a tudo isso, ainda assim aquele grãozinho,
insistia naquela ideia desde o início, de ser pedra e não mais pó. Queria ter
seu lugar no mundo, encontrar sentido a cada segundo, enxergar em si mesmo algo
maior, mesmo que o seu criador fosse alguém de mais valor, e que pudesse dar
amor, à pedra, à rocha e também ao grão.
Assim como aquela vida, prestes a ser sacrificada, com
pedras sobre ela a ser lançadas, outros grãos não se conformavam, com a tolice insaciável,
daquele pequeno grão falho e ingrato, ao qual a pouco havia sido revelado, sua natureza
e valor incalculável e diante disso nada mais deveria ser desejável.
Mas ainda ali, escrevendo no chão, com o dedo posto sob a
terra, diante de uma multidão de homens, armados com ódio, ira e pedras, ele declarou:
“Quem
não tem pecados, atire a primeira pedra”
Pedras lançadas ao chão, passos em outra direção, aquela
vida acusada, havia sido poupada. Momento de reflexão para aquele pequeno grão.
Agora dera ouvidos a todo conteúdo da conversa que haviam tido. Um passo para
traz, e disse ele:
-Pedra! Não quero ser mais!
Tanto ao pequeno grão e a vida que havia sido poupada, Ele pergunta,
após ninguém ter aceitado arremessar aquelas pedras, onde estavam os acusadores
que os fariam ser castigados com pedras manchadas pelos mesmos erros e
confusões em que haviam se envolvidos. Mas não haviam mais ali acusadores. E Ele
encerra o assunto da breve e intensa conversa que parecia não ter fim:
“Nem Eu te condeno; vá e não peques mais”
E aquele pequeno grão, passou a entender, que um dia já havia
sido pedra, e que como pedra, só tinha duas opções, ficar parado, sem rumo, sem
destino e sem sentido, ou ser arremessado, como objeto de ataque à acusação. E
tendo aquilo entendido, percebeu que como grão, poderia ir em liberdade, sem
motivo e sem razão, em vez de ser objeto de culpa, morte e decepção. E que
enquanto homens maus tinham em suas mãos, pedras como punição, Ele as
despedaçou, em grãos a pedra transformou e trouxe ali libertação.
Texto: Adriano Liberto
Revisão: Deivid Liberto
Nenhum comentário:
Postar um comentário